terça-feira, 22 de agosto de 2023

O FATÍDICO 12 DE JUNHO DE 1883

 


Por Paulo César Silva[1]

Nesse dia, o Juiz de Direito da Comarca da Vila de São João do Príncipe, Dr. José Balthazar Ferreira Facó, suicidou-se, 48 dias após promover a libertação de 40 escravos nos Inhamuns.

Dr. José Balthazar Ferreira Facó, chegou ao Inhamuns em 07 de setembro de 1881, foi um ilustre juiz de direito, nomeado em 16 de julho do mesmo ano, atuou na Vila de São João do Príncipe (Tauá), no final do século XIX, nascido em Beberibe (CE), foi promotor público em São Bernardo (CE) e juiz municipal e de órfãos do termo de Cascavel e Aquiraz (CE).

 Responsável direto do ato de emancipação de escravos nos Inhamuns, realizado na Câmara da Vila acompanhado do juiz municipal, Dr. Francisco Primeiro de Araújo Citó e do padre Alexandre Ferreira Barreto, juntamente com o presidente da Câmara, o major Joaquim Alves Feitosa, quando foram entregues, no dia, 25 de abril de 1883, cartas de alforria a 40 escravos, sendo 37 sem remuneração aos seus ex-proprietários. Assim, ficando entre as nove primeiras vilas que emitiram cartas de alforria aos seus escravos.

Segundo o relatório escrito pelo delegado, Francisco Pereira de Freitas, em 17 de junho, ao Vice-presidente da Província, Cel. Antônio Theodorico da Costa, o Dr. Balthazar, não tinha desafeto e desfrutava de muita estima e prestígio entre a população.

O Rev. Conego, Francisco Ribeiro Bessa (Beberibe), em uma correspondência ao Jornal O Cearense (1883), escreve:

 “Todos lamentam sua perda! Um profundo sentimento se comunica de coração em coração, de teto em teto.

Na sociedade doméstica, o ilustre finado era um esposo estremecido, um pai extremoso, um genro, um irmão, um parente e um amigo desvelado. Na sociedade civil, era um distinto cidadão, um magistrado reto e incorruptível, a encarnação viva da lei; o suborno e os respeitos humanos nunca poderão invadir o santuário de seus julgamentos!

Em literatura, era um robusto talento, um talento cultivado.

Na tribuna, um orador fascinante; na cruzada santa da remissão dos cativos, um infatigável lutador!

Todos perderam com sua partida [...] o partido abolicionista, um de seus mais denotados apóstolos.”

Ainda conforme o relatório, diz-se que o Dr. Balthazar se suicidou às 8h da manhã do dia 12 de junho de 1883, com um tiro do lado direito da cabeça, vindo a óbito por volta do meio dia. Em depoimento, seu criado, um menor, por nome, Cyrillo, relatou ter encontrado seu amo, com o revolver ainda na mão direita com que se ferira. O delegado conclui o relatório, alegando suicídio, destacando que não se encontrou nenhum vestígio material (carta) que justificasse tal atentado à própria vida.


Referencias:


SILVA, Paulo César. Tauá uma breve história: do século XVIII ao XXI, Tauá/CE, Ed. Do Autor. 2023. p. 99.

 

LIBERTADOR: orgao da Sociedade Cearense Libertadora. Fortaleza: [s.n.], 1881-1892. Diária. Nao circulou: 1881: abr, out-nov. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/acervo-digital/libertador/229865. Acesso em: 22 ago. 2023. Localização: Publicações Seriadas - PR-SPR 00531

 

O CEARENSE. Fortaleza, CE: Typ. Fidelissima, 1846- . Irregular. Impressores: M.F. Nogueira, Joao Evangelista, Francisco Perdigao e Joaquim Lopes Vercosa. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/docreader.aspx?BIB=709506. Acesso em: 22 ago. 2023. Localização: Publicações Seriadas Raras - PR-SOR 00642 [1-35]



[1] Graduado em História pela Universidade Santo Amaro (UNISA); historiador CRP 0000132/CE dedica-se à pesquisa historiográfica do Sertão dos Inhamuns; é membro titular da cadeira nº 33 e presidente da Academia Tauaense de Letras (ATL), tendo por patrono, Nertan Macedo; escritor; membro suplente do Conselho PRESERVA-TAUÁ.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

A ONIPRESENÇA DO ESTADO NOVO: ICONOLOGIA VARGUISTA NOS INHAMUNS

 

Paulo César Silva[1]

Figura 1 Busto comemorativo ao decênio de Getúlio Vargas (1930-1940) Foto: Edilberto Honório
Figura1: Busto Comemorativo do
 Decênio de Getúlio Vargas (1930-1940)
.
Foto: Edilberto Honório.

O presente artigo procura analisar uma fotografia despretensiosa de um busto, feita pelo amigo Edilberto Honório, fixado em um imóvel na cidade de Tauá/Ceará e que me chamou a atenção. Nesse busto de metal, aparentemente com um pouco mais de 30 cm de altura, há a seguinte descrição: “Decênio 1930-1940” e logo abaixo, “Guia da Nacionalidade”.

                  Realizando uma análise preliminar, percebi que se tratava da imagem de Getúlio Vargas. Em um artigo intitulado: Getúlio Vargas – Guia da Nacionalidade onde se trata uma peça similar, o jornalista Douglas Nascimento esclarece o seguinte:

[...] conseguimos descobrir que os bustos foram confeccionados em 1940 por ocasião do aniversário de dez anos da Era Vargas. Não foi possível descobrir o artista ou mesmo a fundição responsável pela produção do objeto, apenas uma menção em um jornal de 1940 onde se diz que milhares dessas peças foram produzidas e distribuídas em repartições públicas, partidos políticos e dadas de presente a personalidades e autoridades. Também apuramos que uma parte das peças foram produzidas em bronze enquanto uma parte, igual a nossa, fora confeccionada em ferro fundido [2].

Ficando claro, nesse sentido, que se trata de uma peça comemorativa aos dez anos do governo varguista e que várias foram produzidas e enviadas a diversas cidades brasileiras.

Durante o regime do Estado Novo, era comum a ufania com a imagem de Getúlio Vargas, sendo, inclusive, o DIP, responsável por essa difusão. Em meu livro Instrumentalização Sociocultural no Estado Novo, faço uma análise concisa sobre o referido assunto.

A descrição “Guia da Nacionalidade” representa bem esse aspecto estado-novista. De acordo com SILVA (2022):

Há de se considerar o cuidado à imagem de Vargas, como defensor de interesses populares, preocupado com a população e realizador de suas reivindicações. Desenvolvendo um culto à personalidade, próprio de regimes totalitários, consolidando prerrogativas populistas[3] .

Destaca-se ainda a fala do desembargador A. Saboia Lima, em seu discurso proferido no Instituto Nacional de Ciência Política em 20 de Dezembro de 1941, sobre o Exército e o Estado Nacional onde faz a seguinte referência sobre a figura política do Chefe de Estado: “O Brasil confia plena e decididamente no seu providencial chefe — o Snr. Getúlio Vargas — guia da Nacionalidade[4]. SILVA assevera da seguinte forma: “Toda essa mobilização, convergia na construção da imagem de um estado onipresente, com seu líder tomando as decisões necessárias, sendo o promotor do bem-estar social” [5].

LIMA (1942) ressalta esse desejo de unificação nacional, dizendo:

[...] regime de autoridade, governo hábil e seguro, orientado pela visão esclarecida de autêntico homem de Estado; consciência nacional cristalizada nos princípios de ordem e de disciplina coletiva e essa rara coesão mental criada pela aquisição de sentimentos comuns, de interesses que se fundem no mesmo bloco de influência glótica e racial, que fazem o brasileiro do norte tão ligado, tão preso ao solo da Pátria, com o gaúcho das coxilhas rio-grandenses ou o caboclo dos sertões nordestinos [6].

Com relação ao período em que este busto foi enviado à Tauá, presumo que chegou próximo do final da gestão do interventor Joel Marques, já que o referido busto foi confeccionado no ano de 1940 e de acordo com FREITAS (2019), Joel Marques era o interventor em Tauá até o ano de 1943:

Com a Constituição de 1934 em vigor, realizou-se em Tauá a eleição para Prefeito [...]. Venceu Joel Marques que governou por nove meses como prefeito eleito. Com a instalação do Estado Novo, em 1937, o prefeito assumiu o poder como interventor até 1943 [7].

              Em tempo, vale destacar o belíssimo trabalho de restauro, produzido em uma peça similar apresentada no artigo: Getúlio Vargas – Guia da Nacionalidade, publicado pelo jornalista Douglas Nascimento, conforme imagens abaixo:

Figura 2: Busto Getúlio Vargas. Imagem disponível em: https://saopauloantiga.com.br/guia-da-nacionalidade/. Acesso em 08 jun. 2023.


Figura 3:  Busto Getúlio Vargas Restaurado. Imagem disponível em: https://saopauloantiga.com.br/guia-da-nacionalidade/. Acesso em 08 jun. 2023

Por fim, ainda pouco se sabe sobre o referido busto, todavia, ressaltamos a importância desta iconografia para discussão em torno do regime do Estado Novo bem como suas decisões políticas, inclusive, alcançando regiões distantes, como os Inhamuns. Para tanto, seria oportuno que o mesmo fosse entregue aos cuidados do Museu Regional dos Inhamuns, permitindo a pesquisadores e estudantes, um ambiente mais acessível para análise, estudo e aula de campo.


REFERENCIAS:

FREITAS, Mariano. Dondon Feitosa de Tauá / Mariano Freitas. – Fortaleza: Tipogresso, 2019.

LIMA, A. Saboia. O Exército e o Estado Nacional: (Discurso pronunciado no Instituto Nacional de Ciência Política em 20 de Dezembro de 1941). Ciência Política: Rio de Janeiro/RJ, ano 1942, v. III, n. VI, p. 33-36, jan. 1942. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/162493/per162493_1942_01006.pdf. Acesso em: 8 jun. 2023.

NASCIMENTO, Douglas. Getúlio Vargas: Guia da Nacionalidade. São Paulo/SP: São Paulo Antiga, 4 jan. 2023. Disponível em: https://saopauloantiga.com.br/guia-da-nacionalidade/. Acesso em: 8 jun. 2023.

SILVA, Paulo César. Instrumentalização Sociocultural no Estado Novo: Intervenções por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda-DIP. – 2. ed. – Tauá/CE : Ed. do Autor, 2022.



[1] Graduado em História pela Universidade Santo Amaro (UNISA); historiador CRP 0000132/CE dedica-se à pesquisa historiográfica do Sertão dos Inhamuns; é membro titular da cadeira nº 33 e presidente da Academia Tauaense de Letras (ATL), tendo por patrono, Nertan Macedo; escritor; membro suplente do Conselho PRESERVA-TAUÁ.

[2] NASCIMENTO, Douglas. Getúlio Vargas: Guia da Nacionalidade. São Paulo/SP: São Paulo Antiga, 4 jan. 2023. Disponível em: https://saopauloantiga.com.br/guia-da-nacionalidade/. Acesso em: 8 jun. 2023. (Grifo do Autor)

[3] SILVA, Paulo César. Instrumentalização Sociocultural no Estado Novo: Intervenções por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda-DIP. – 2. ed. – Tauá/CE : Ed. do Autor, 2022, p. 73.

[4] LIMA, A. Saboia. O Exército e o Estado Nacional: (Discurso pronunciado no Instituto Nacional de Ciência Política em 20 de Dezembro de 1941). Ciência Política: Rio de Janeiro/RJ, ano 1942, v. III, n. VI, p. 33-36,  jan. 1942. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/162493/per162493_1942_01006.pdf. Acesso em: 8 jun. 2023. (Grifo do Autor)

[5] (SILVA, 2022, p. 74.)

[6] LIMA, op. Cit., p. 36. (Grifo do Autor)

[7] FREITAS, Mariano. Dondon Feitosa de Tauá / Mariano Freitas. – Fortaleza: Tipogresso, 2019, p. 132.(Grifo do Autor)

sexta-feira, 19 de maio de 2023

ARTE SACRA EM FAIANÇA NO SERTÃO DOS INHAMUNS: CERÂMICA BRASILEIRA PRÓ-ARTÍSTICA BORDALLO PINHEIRO


Paulo César Silva[1]

 

O presente artigo procura analisar uma arte sacra produzida a partir de cerâmica faiança e instalada numa residência edificada entre o final do século XIX e o inicio do século XX em Tauá no sertão dos Inhamuns.

A referida abordagem pretende trazer a lume hipóteses sobre o processo de produção, logística e aquisição desse artefato, e a importância de se preservar esse importante exemplar que remonta, provavelmente há um século.

Para tanto, investigo a origem da referida obra sacra, partindo da análise empírica de um dos únicos exemplares que ainda resiste ao tempo e que se encontra fixado na antiga casa do Cel. Lourenço Alves Feitosa e Castro (1844-1915), em Tauá, Ceará, ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, na Av. Cel. Lourenço Feitosa, bem como, em pesquisas que corroborem com a abordagem proposta.

A arte sacra em faiança refere-se à criação de peças artísticas religiosas feitas de faiança, um tipo de cerâmica de barro branco e vítreo que é geralmente esmaltado e decorado. Essa forma de expressão artística tem sido amplamente utilizada em contextos religiosos ao longo da história, incluindo no Brasil.

No Brasil, as faianças sacras ganharam destaque especialmente durante o período colonial e o período do Barroco. As peças de faiança eram utilizadas para adornar igrejas, capelas e oratórios, contribuindo para a rica decoração dos espaços religiosos.

         De acordo com SILVA (2023): “a antiga casa do cel. Lourenço Alves Feitosa e Castro, situada ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário, abrigou a primeira Câmara de Vereadores de Tauá.” [2] Esta casa, edificada entre o final do século XIX e inicio do século XX, comporta uma arquitetura neoclássica[3] adaptada às peculiaridades do sertão nordestino com cômodos, porão, fonte, varanda e terreno relativamente amplo.[4] Sua fachada foi modificada provavelmente, após a terceira década do século XX, uma rara fotografia, com data estimada em 1930 publicada no Blog da profa. Anamélia Mota apresenta a mesma com um conjunto de adereços bem diferente da atual tendo um acabamento superior afunilado, com um cume parecido ao de templo religioso, uns florões sobre a fachada e ornamentos em volta das janelas, típico neoclássico nordestino [5].

           Na área externa, fixado na parede, encontra-se um conjunto de 10 peças de pisos cerâmicos em faianças instalados na parede, compostos numa dimensão de 30 cm de largura por 45 cm de altura. Este conjunto forma um mosaico de arte sacra, em suas extremidades formam um quadrante com florais pintados em azul del-rey, com um fundo amarelo ouro, em cada canto, há pequenos florões pintados, ao centro há a representação de São José e o menino Jesus em seu colo pintado em azul del-rey. Assina a obra a Cª Brasª Pró Arte Bordalo Pinheiro. Abaixo, encontra-se peça única de 15 cm x 15 cm com a descrição “Deus abençoe esta casa” em tipografia gótica.[6] 

Em vista disso, propus investigar a origem do referido mosaico cerâmico que formata esse importante adereço artístico que, certamente, remete um valor histórico inestimável para a história e a memória de Tauá.

       Todavia, para uma clareza quanto ao objeto analisado, faz-se pertinente compreendermos sua origem. Analisando cuidadosamente esse mosaico, algo fundamental nos aproxima de sua procedência, na parte inferior há a seguinte assinatura: “Cª Brasª Pró Arte Bordalo Pinheiro” ou Cerâmica Brasileira Pró-Arte Bordallo Pinheiro [7].

A Cerâmica Brasileira Pró-Artística Bordallo Pinheiro, tem origem em Rafael Bordallo Pinheiro (1846-1905). De acordo com ALEGRIA (2023):


“foi um caricaturista magnífico e um ceramista excecional [...]”.Rafael Bordalo Pinheiro destacou-se ainda como ilustrador de capas de livros e de cabeçalhos de revistas ou jornais, alguns dos quais fundados ou dirigidos por ele, como “A Lanterna Mágica” (1875), “O António Maria” (1879) ou “A Paródia” (1900). Proveniente de uma família de artistas – o pai era o pintor e escultor Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1815-1880) e um dos seus onze irmãos era o brilhante retratista Columbano Bordalo Pinheiro (1856-1929) – Rafael frequentou o curso de Desenho na Academia de Belas Artes de Lisboa. Viveu durante quatro anos no Brasil e quando regressou a Portugal, em 1879, dividiu a sua vida entre as Caldas da Rainha e Lisboa, onde faleceu aos 59 anos, em 1905 [8].

A Fábrica de Faianças das Caldas foi fundada a 30 de Junho de 1884, sendo Raphael Bordallo Pinheiro responsável pelos aspetos técnico-artísticos e seu irmão Feliciano Bordallo Pinheiro pelos aspetos organizativos. Neste mesmo ano começa a produção cerâmica na Fábrica de Faianças nas Caldas, revelando peças de enorme labor técnico, qualidade artística e criativa, desenvolvendo: azulejos, painéis, potes, centros de mesa, jarros bustos, fontes lavatórios, bilhas, pratos, perfumadores, jarrões e animais agigantados, etc [9] .

Todavia, com o falecimento de Rafael Bordalo Pinheiro, em 1905, a fábrica é vendida em hasta pública e desfeita. É nesse contexto que Manuel Gustavo decide fundar a Fábrica de Faianças Bordallo Pinheiro e continuar o trabalho do seu pai [10]. Após a morte de Manuel Gustavo, em 1920, uns grupos de ilustres caldenses juntamente com os operários deram continuidade à empresa e, após a grave crise de 2008, é adquirida pelo Grupo Visabeira que lhe assegura a continuidade produtiva e histórica [11].

É plausível o entendimento que a “Cerâmica Brasileira Pró-Artística Bordallo Pinheiro” tenha relação direta com a Fábrica de Faianças Bordallo Pinheiro situada em Caldas da Rainha, província de Estremadura, Portugal. Embora faltem dados mais concretos que evidencie se a fabricação do mosaico cerâmico foi realizada no Brasil ou foi importado da Fábrica de Faianças Bordallo Pinheiro.

        Porém, vale ressaltar que no Alto da Boa Vista (Rio de Janeiro-RJ) há um enorme conjunto de azulejos com o mapa da Floresta da Tijuca orientando os visitantes desde 1946. Segundo Carvalho (2023), foi confeccionado por uma empresa especializada em cerâmica artística (Cerâmica Brasileira Pró-Artística Bordalo Pinheiro), sob encomenda de Raymundo Ottoni de Castro Maya quando este foi administrador do parque entre os anos de 1943 e 1946. No canto inferior direito do Painel, na moldura, há a autoria do trabalho, onde consta a empresa que produziu sob o nome de "Cerâmica Brasileira Pró Arte Bordalo Pinheiro", do Rio de Janeiro. Contém também a assinatura do provável artista responsável pelas ilustrações, assinado com a letra "R" e sobrenome "Silva" [12].

Sobre a cerâmica Faiança[13], ASSIS (2016) explica que:

É o termo que se dá ao conjunto de argila e esmaltes cerâmicos queimados à relativamente baixas temperaturas (menos de 1250 °C). Quanto à argila, caracteriza-se pela cor branca ou marfim. Muitas vezes, eram cerâmicas mais acessíveis ao consumidor que as porcelanas chinesas e durante muito tempo desfrutaram de grande popularidade [14].

Segundo o site, Restauração Prates (2012) “No Brasil, a indústria de louça de faiança fina teve seu maior desenvolvimento no início do século XX, sendo que seu declínio se inicia na década de 1940, quando a produção de porcelana se acelera e dissemina pelo País. Com a maior oferta de louça de porcelana, mais resistente e durável, e de acabamento mais fino e mais branco, a louça de faiança foi gradualmente sendo preterido, o que levou ao fim de várias das fábricas pioneiras de louça no Brasil [15].”

Sobre algumas respostas, ainda pairam dúvidas, por exemplo: em que ano as cerâmicas foram encomendadas a Cerâmica Brasileira Pró-Artística Bordallo Pinheiro? Quem as encomendou? Em que data foi instalada essas cerâmicas na parede, formando o aludido mosaico?

Joaquim Pimenta, em seu livro Retalhos do Passado, traz as seguintes descrições do Cel. Lourenço Alves Feitosa e Castro:

Era chefe político dos Inhamuns Lourenço Alves Feitosa, coronel da Guarda Nacional e antigo tenente na Guerra do Paraguai. Nada tinha de mavórtico, nada de chefe local do interior do Brasil, a maioria deles, iletrados, brocos e autoritários. [...] deputado à Assembleia Legislativa do Estado, entendendo de leis e capaz de escrever um discurso em bom vernáculo [16].

Tendo em vista esse perfil descrito por PIMENTA (1945) em sua autobiografia que discorre em Tauá entre 1900 e 1909, percebe-se como o Cel. Lourenço foi uma pessoa de muita influência, sendo uma forte liderança política nos Inhamuns, muito respeitado no seio de sua família, seus serviços prestados na Guerra do Paraguai bem como seu posicionamento como deputado na ALECE trazem prerrogativas onde se (embora o isolamento do interior e a morosidade em que se realizavam os contatos com outras partes do Brasil e até do exterior tornasse o processo lento) permita a hipótese que o conjunto de cerâmicas pode ter chegado a Tauá entre o final do século XIX ou nas primeiras décadas do século XX, por encomenda do Cel. Lourenço Feitosa (1844-1915), considerando que este foi o período de maior desenvolvimento de peças cerâmicas de Faianças.

Em que se pese também o fato de o conjunto de azulejos com o mapa da Floresta da Tijuca foi encomendado logo após esse período, sendo um dos poucos exemplares que se tem notícia no Brasil, assinado pela mesma casa artística, a Cerâmica Brasileira Pró-Artística Bordallo Pinheiro[17].

Em virtude do que foi discutido, conclui-se que o conjunto mosaico instalado na varanda da casa do então Cel. Lourenço Alves Feitosa e Castro (1844-1915), se trata de uma obra de arte sacra, pintada a mão sobre pisos cerâmicos de Faianças. E que o mesmo pode ser oriundo, ou da Fábrica de Faianças Bordallo Pinheiro situada em Caldas da Rainha, província de Estremadura, Portugal, ou da "Cerâmica Brasileira Pró Arte Bordalo Pinheiro", no Rio de Janeiro.

Provavelmente encomendado entre o final do século XIX ou nas primeiras décadas do século XX, todavia, não se pode chegar a uma data mais precisa por falta de fontes documentais que favoreçam tal datação.

Por fim, ressalta-se a importância de se preservar tal conjunto mosaico, tendo em vista seu inestimável valor histórico na cultura sertaneja e no modo como se se expressava sua religiosidade, tendo, os órgãos competentes, a missão de salvaguardar tão relevante artefato.


REFERENCIAS:


ALEGRIA, Nuno. Rafael Bordalo Pinheiro – um artista genial que marcou a arte portuguesa no final do século XIX!. [S. l.]: CITALIARESTAURO.COM, [20--]. Disponível em: https://citaliarestauro.com/rafael-bordalo-pinheiro-um-artista-genial/. Acesso em: 18 maio 2023.

ASSIS, Gustavo. A Faiança Portuguesa. [S. l.]: Gustavo Assis Cerâmicas Artesanais, 30 ago. 2016. Disponível em: https://gustavoassisceramicas.com.br/pt/tipos-de-esmaltes-de-baixa-queima/. Acesso em: 18 maio 2023.

CALDAS da Rainha. [S. l.], 18 maio 2023. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Caldas_da_Rainha. Acesso em: 18 maio 2023.

CALDAS, Go. Fábrica Bordallo Pinheiro: Tradicional e Contemporâneo num só espaço…. [S. l.], 31 dez. 2014. Disponível em: https://gocaldas.com/fabrica-bordallo-pinheiro/. Acesso em: 18 maio 2023.

CARVALHO, Fábio. Azulejos Antigos no Rio de Janeiro: Alto da Boa Vista I - Painel de Azulejos com mapa da Floresta da Tijuca. [S. l.], 8 jul. 2021. Disponível em: https://azulejosantigosrj.blogspot.com/2012/06/tijuca-i-painel-de-azulejos-com-mapa-da.html. Acesso em: 18 maio 2023.

DICIO, Dicionário Online de Português. Faiança Significado de Faiança. [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.dicio.com.br/faianca-2/. Acesso em: 18 maio 2023.

MOTA, Anamélia Custódio. TAUÁ ANTIGO EM FATOS E FOTOS. Tauá/CE: Blog, 5 mar. 2012. Disponível em: http://anameliataua.blogspot.com/2012/03/taua-antigo-em-fatos-e-fotos.html. Acesso em: 19 maio 2023.

PAULA, Martinho de. Arquitetura Nordestina: Características, História e Curiosidades. [S. l.]: SuaDecoracao.com, 6 jul. 2022. Disponível em: https://suadecoracao.com/arquitetura-nordestina/. Acesso em: 18 maio 2023.

PIMENTA, Joaquim, Retalhos do passado: (Tauá-Fortaleza) / Joaquim Pimenta. – Ed. Fac-sim. – Fortaleza: FWA, 2009, 250p. – (Coleção Biblioteca Básica Cearense). Fac-símile da edição de 1945.

PINHEIRO, Bordallo. A BORDALLO PINHEIRO. [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.bordallopinheiro.com/bordallo-pinheiro?fullview=true. Acesso em: 18 maio 2023.

PRATES, Restauração. RESTAURAÇÃO DE PRATO MINIATURA EM FAIANÇA PINTADO À MÃO. [S. l.], 20 ago. 2012. Disponível em: http://www.restauracaoprates.com.br/restauracao-de-uma-miniatura-em-porcelana-faianca/. Acesso em: 18 maio 2023.

SILVA, Paulo César. Tauá uma breve história: do século XVIII ao XXI, Tauá/CE, Ed. Do Autor. 2023. p. 128.



[1] Graduado em História pela Universidade Santo Amaro (UNISA); historiador CRP 132/CE dedica-se à pesquisa historiográfica do Sertão dos Inhamuns; é membro titular da cadeira nº 33 e presidente da Academia Tauaense de Letras (ATL), tendo por patrono, Nertan Macedo; escritor; membro suplente do Conselho PRESERVA-TAUÁ.

[2] SILVA, Paulo César. Tauá uma breve história: do século XVIII ao XXI, Tauá/CE, Ed. Do Autor. 2023. p. 128.

[3] Segundo PAULA: Arquitetura nordestina é um termo usado para descrever a arquitetura típica do Nordeste do Brasil. Arquitetura nordestina pode ser dividida em três estilos principais: o barroco, o colonial e o neoclássico. Arquitetura nordestina de estilo barroco é caracterizada por seus elementos exuberantes e ornamentados. Arquitetura colonial nordestina é caracterizada pelas suas linhas retas e simplicidade. Arquitetura neoclássica nordestina incorpora elementos dos dois primeiros estilos, mas também inclui alguns elementos da arquitetura grega e romana antigas. (negritos do Autor). PAULA, Martinho de. Arquitetura Nordestina: Características, História e Curiosidades. [S. l.]: SuaDecoracao.com, 6 jul. 2022. Disponível em: https://suadecoracao.com/arquitetura-nordestina/. Acesso em: 18 maio 2023.

[4] SILVA, Paulo César. In Situ, 18 de mai. de 2023.

[5] MOTA, Anamélia Custódio. TAUÁ ANTIGO EM FATOS E FOTOS. Tauá/CE: Blog, 5 mar. 2012. Disponível em: http://anameliataua.blogspot.com/2012/03/taua-antigo-em-fatos-e-fotos.html. Acesso em: 19 maio 2023.

[6] SILVA, Paulo César. In Situ, 18 de mai. de 2023.

[7] Ibidem

[8] ALEGRIA, Nuno. Rafael Bordalo Pinheiro – um artista genial que marcou a arte portuguesa no final do século XIX!. [S. l.]: CITALIARESTAURO.COM, [20--]. Disponível em: https://citaliarestauro.com/rafael-bordalo-pinheiro-um-artista-genial/. Acesso em: 18 maio 2023.

[9] PINHEIRO, Bordallo. A BORDALLO PINHEIRO. [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.bordallopinheiro.com/bordallo-pinheiro?fullview=true. Acesso em: 18 maio 2023.

Caldas da Rainha é uma cidade portuguesa do distrito de Leiria, situada na província da Estremadura com 30 426 habitantes no seu perímetro urbano e integrando a Comunidade Intermunicipal do Oeste na região do Centro. CALDAS da Rainha. [S. l.], 18 maio 2023. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Caldas_da_Rainha. Acesso em: 18 maio 2023.

[10] CALDAS, Go. Fábrica Bordallo Pinheiro: Tradicional e Contemporâneo num só espaço…. [S. l.], 31 dez. 2014. Disponível em: https://gocaldas.com/fabrica-bordallo-pinheiro/. Acesso em: 18 maio 2023.

[11] PINHEIRO, 2023, loc. cit.

[12] CARVALHO, Fábio. Azulejos Antigos no Rio de Janeiro: Alto da Boa Vista I - Painel de Azulejos com mapa da Floresta da Tijuca. [S. l.], 8 jul. 2021. Disponível em: https://azulejosantigosrj.blogspot.com/2012/06/tijuca-i-painel-de-azulejos-com-mapa-da.html. Acesso em: 18 maio 2023.

[13] Louça de barro, argila ou pó de pedra, envernizada ou esmaltada, impermeável a líquidos e, em geral, ricamente decorada. DICIO, Dicionário Online de Português. Faiança Significado de Faiança. [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.dicio.com.br/faianca-2/. Acesso em: 18 maio 2023.

[14] ASSIS, Gustavo. A Faiança Portuguesa. [S. l.]: Gustavo Assis Cerâmicas Artesanais, 30 ago. 2016. Disponível em: https://gustavoassisceramicas.com.br/pt/tipos-de-esmaltes-de-baixa-queima/. Acesso em: 18 maio 2023.

[15] PRATES, Restauração. RESTAURAÇÃO DE PRATO MINIATURA EM FAIANÇA PINTADO À MÃO. [S. l.], 20 ago. 2012. Disponível em: http://www.restauracaoprates.com.br/restauracao-de-uma-miniatura-em-porcelana-faianca/. Acesso em: 18 maio 2023.

[16] PIMENTA, Joaquim, Retalhos do passado: (Tauá-Fortaleza) / Joaquim Pimenta. – Ed. Fac-sim. – Fortaleza: FWA, 2009, 250p. – (Coleção Biblioteca Básica Cearense). Fac-símile da edição de 1945, p. 12, 13.

[17] CARVALHO, 2021, loc. cit.

O FATÍDICO 12 DE JUNHO DE 1883

  Por Paulo César Silva [1] Nesse dia, o Juiz de Direito da Comarca da Vila de São João do Príncipe, Dr. José Balthazar Ferreira Facó, sui...