Por Paulo César Silva[1]
Na manhã do dia 12 de junho de 1883, um trágico
acontecimento abalou a Vila de São João do Príncipe: o Juiz de Direito da
comarca, Dr. José Balthazar Ferreira Facó, tirou a própria vida, apenas 48 dias
após promover a libertação de 40 escravizados na região dos Inhamuns.
Natural de Beberibe (CE), o Dr. Balthazar era um
magistrado de carreira respeitável. Antes de assumir sua função nos Inhamuns,
fora promotor público em São Bernardo e juiz municipal e de órfãos nos termos
de Cascavel e Aquiraz. Foi nomeado Juiz de Direito em 16 de julho de 1881,
chegando à Vila de São João do Príncipe em 7 de setembro do mesmo ano, onde
atuou com firmeza e reconhecida integridade até o desfecho trágico de sua vida.
Sua figura ficou marcada na história local como o
principal responsável pelo ato de emancipação coletiva de 40 pessoas
escravizadas, ocorrido em 25 de abril de 1883, na Câmara Municipal da Vila. A
cerimônia solene contou com a presença do juiz municipal, Dr. Francisco
Primeiro de Araújo Citó; do pároco local, padre Alexandre Ferreira Barreto; e
do presidente da Câmara, major Joaquim Alves Feitosa. Na ocasião, foram
entregues cartas de alforria — sendo 37 delas concedidas sem qualquer
indenização aos ex-senhores. A Vila de São João do Príncipe figurou, assim,
entre as nove primeiras do Ceará a realizar tal feito, marcando seu nome na
vanguarda da causa abolicionista.
Segundo relatório elaborado pelo delegado Francisco
Pereira de Freitas, datado de 17 de junho e encaminhado ao Vice-presidente da
Província, coronel Antônio Theodorico da Costa, o Dr. Balthazar era homem de
reputação ilibada, sem inimigos conhecidos, e gozava de grande estima e
prestígio entre os habitantes da comarca.
A comoção provocada por sua morte foi expressa com
grande pesar em diversos meios. Em carta publicada no jornal O Cearense,
o Reverendíssimo Cônego Francisco Ribeiro Bessa, também natural de Beberibe,
escreveu:
“Todos lamentam sua perda! Um
profundo sentimento se comunica de coração em coração, de teto em teto. Na
sociedade doméstica, o ilustre finado era um esposo estremecido, um pai
extremoso, um genro, um irmão, um parente e um amigo desvelado. Na sociedade
civil, era um distinto cidadão, um magistrado reto e incorruptível, a
encarnação viva da lei; o suborno e os respeitos humanos jamais puderam invadir
o santuário de seus julgamentos! Em literatura, era um talento robusto e
cultivado.
Na tribuna, um orador fascinante; na cruzada santa da remissão dos cativos, um
infatigável lutador! Todos perderam com sua partida [...] o partido
abolicionista, um de seus mais denotados apóstolos.”
Ainda conforme o relatório policial, o suicídio teria ocorrido por volta das 8 horas da manhã, por meio de um disparo na região direita da cabeça. O óbito se confirmou por volta do meio-dia. O criado do juiz, um menor de nome Cyrillo, testemunhou ter encontrado seu amo com o revólver ainda na mão direita. Nenhuma carta ou indício material foi encontrado que explicasse os motivos da decisão extrema. O delegado concluiu o inquérito reafirmando a hipótese de suicídio, sem, no entanto, apontar causas definitivas para tal desfecho.
A morte de Dr. Balthazar permanece envolta em silêncio e luto, mas sua memória perdura como símbolo de coragem e justiça, especialmente por sua atuação decisiva na luta pela liberdade de tantos homens e mulheres escravizados nos sertões do Ceará.
Referencias:
SILVA, Paulo César. Tauá
uma breve história: do século XVIII ao XXI, Tauá/CE, Ed. Do Autor. 2023. p.
99.
LIBERTADOR: orgao da Sociedade Cearense Libertadora.
Fortaleza: [s.n.], 1881-1892.
Diária. Nao circulou: 1881: abr, out-nov. Disponível em:
http://hemerotecadigital.bn.br/acervo-digital/libertador/229865. Acesso em: 22
ago. 2023. Localização: Publicações Seriadas - PR-SPR 00531
O CEARENSE. Fortaleza, CE: Typ. Fidelissima, 1846- . Irregular. Impressores: M.F. Nogueira, Joao Evangelista, Francisco Perdigao e Joaquim Lopes Vercosa. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/docreader.aspx?BIB=709506. Acesso em: 22 ago. 2023. Localização: Publicações Seriadas Raras - PR-SOR 00642 [1-35]
[1] Graduado
em História pela Universidade Santo Amaro (UNISA); historiador CRP 0000132/CE
dedica-se à pesquisa historiográfica do Sertão dos Inhamuns; é membro titular
da cadeira nº 33 e presidente da Academia Tauaense de Letras (ATL), tendo por
patrono, Nertan Macedo; escritor; membro suplente do Conselho PRESERVA-TAUÁ.
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